sábado, 5 de novembro de 2011

Freixo deixou o país por causa das ameaças de milicianos, diz Anistia

Em entrevista para uma rádio carioca na última sexta-feira, Tim Cahill, da Anistia Internacional no Brasil, explicou os motivos pelos quais o deputado Marcelo Freixo, do PSOL, deixou o país. Abaixo, a declaração na íntegra de Cahill:

- Eu acho, a primeira coisa, a Anistia Internacional não quer fazer parte do jogo político do que está ocorrendo no Rio. A Anistia Internacional tem uma longa tradição de trabalhar sobre a questão dos direitos humanos no Rio, recentemente sobre as questões das milícias. O convite que foi feito ao deputado estadual Marcelo Freixo foi feito há duas semanas após a Anistia receber vários pedidos de ONGs do Rio de Janeiro, específica em relação a sua situação. Neste contexto, o convite a Marcelo Freixo foi em três sentidos. Primeiro, para dar um espaço e retirá-lo de tanta pressão dessas ameaças, para ele e a família dele. Segundo, no sentido de dar espaço às autoridades estaduais reforçarem a segurança dele, que já estão dando. E, em terceiro, para acompanhar a campanha que a Anistia está fazendo. Mas, o principal, é para lembrar que fazemos uma campanha para acabar com o crescimento dessas organizações criminosas no Rio de Janeiro. Por isso, continuamos a fazer pressão internacionalmente para que as autoridades federais, estaduais e municipais implantem as recomendações da CPI (das Milícias) presidida pelo deputado. Procuramos evitar o debate do estilo político porque o principal é lembrar aqui que é uma questão importante de reforçar a segurança das pessoas que estão na linha de frente, como a juíza Patrícia Accioli, no combate a esses grupos criminosos e de quem vive a pressão nas comunidades dominadas por milicianos. Esse é o debate - disse Cahill.

Cahill ainda reforçou:

- O convite foi feito há duas semanas quando houve essa preocupação com a situação dele (Marcelo Freixo). Esse convite foi feito no contexto, no momento, em que ele estava sendo ameaçado. A gente nunca contradisse isso.

Clique aqui e ouça o áudio completo da entrevista.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Milícias, Marcelo Freixo e a notícia

Sempre tive vontade de escrever alguma história sobre milícias, mas nunca pintou oportunidade para promover (mais um) debate sobre um tema tão presente na vida de nós, cariocas. O conceito de domínio de território por agentes públicos de segurança em si me atrai. E, no último fim de semana, enfim, as milícias eram a bola da vez para mim.

Eu nunca esquentei muito a cabeça em contar como funciona o processo de apuração de qualquer notícia que seja. Por isso, resolvi fazer um breve relato sobre essa experiência bacana e difícil que é o jornalismo. Então, desculpe qualquer coisa. Nenhuma pretensão. Quero apenas compartilhar, de coração.

Há uns três meses, eu recebi a informação de uma fonte de Salvador sobre a atuação de grupos paramilitares, formados por policiais, ex-policias, bombeiros e agentes penitenciários, em sua maioria. Na capital baiana, a exemplo do Rio de Janeiro, milicianos controlam nas comunidades o transporte alternativo e serviços como a distribuição de internet, TV a cabo e gás, entre outras "benefícios". A partir do contato desta fonte, surgiu a ideia de tentar fazer uma reportagem especial sobre esse tipo de crime em todo o país. A intenção era apresentar ao leitor o problema não apenas no Rio, mas no Brasil.

O desafio, então, foi, primeiro, checar a informação de Salvador revelada pela fonte. O Ministério Público de Salvador confirmou. Havia uma investigações envolvendo crimes praticados por milicianos e até por políticos. A esta altura, eu já tinha uma boa história pra escrever. Era preciso, porém, saber se os outros 25 estados sofriam ações de milícias.

O segundo passo da reportagem foi procurar por estudos em universidades brasileiras e com a ONU, além de checar as informações com a Polícia Federal. Nada feito. Dei com a cara na porta. Ninguém sabia. A Polícia Federal, inclusive, garantiu que nada era investigado sobre milicianos fora do território do Rio de Janeiro.

Pois bem. A pauta era boa. Salvador confirmou a existência de milícias e somou-se ao Rio. Eu precisava, agora, identificar casos em mais estados. Decidi procurar o deputado estadual Marcelo Freixo. Para quem não o conhece, Freixo foi presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias. Em 2008, o resultado do trabalho do parlamentar levou ao indiciamento de 225 pessoas. A maioria foi presa. Até políticos. Freixo, porém, também não sabia sobre notícias de milícias em outros estados. Foi o momento mais tenso da apuração. Se o Freixo não sabia, quem mais teria essas informações? Mesmo assim, o deputado se mostrou disposto a colaborar. Repassou-me contatos de pessoas envolvidas com os direitos humanos. A esta altura, qualquer informação ajudaria. Um trabalho de formiguinha, de quebra-cabeça.

Durante a conversa com Marcelo Freixo, em seu gabinete, na Assembleia Legislativa do Rio, veio a surpresa. De repente, entra na sala uma de suas assessoras. Neste momento, ela entrega ao parlamentar passaporte e dinheiro. Era a senha. Alguma coisa estava acontecendo. Perguntei. E Freixo, confiando em mim, contou que iria sair do Brasil por causa do acirramento das ameaças feitas por milicianos. Putz, era A HISTÓRIA: "deputado, ameaçado por milicianos, decide sair do país para não morrer". Vamos publicá-la? Sério: ele não queria. Medo, lógico. Quem não ficaria? Insisti. Freixo ficou de pensar na possibilidade de dar uma entrevista revelando a viagem e o motivo.

Cinco dias se passaram. O deputado topou. Pedi exclusividade. Ele aceitou. Bom, agora, vamos publicar a reportagem sobre o deputado fora do país por causa das milícias? Nada disso, meus amigos. Antes, eu tinha um outro desafio pela frente. Terminar de apurar, escrever e publicar a outra matéria: "as milícias se alastrando por todo Brasil". Como assim? Uma história ótima e não vamos publicar? Como Freixo prometeu exclusividade, a reportagem com ele poderia esperar mais uns dias. Decidi arriscar. Afinal, eu ainda apostava na minha primeira ideia, a das milícias no domínio do território nacional.

Para iniciar a apuração, eu comecei ligando para os Ministérios Públicos e Ouvidorias de Polícia de todos os estados. Conversei com promotores, policiais, autoridades no judiciário, gente ligada aos direitos humanos e assessores de imprensa desses órgãos. Acho que, em duas semanas de trabalho, eu falei com umas 70 ou 80 pessoas. O número não inclui as entrevistas realizadas por alguns correspondentes do jornal, que, gentilmente, me ajudaram na reportagem. Um detalhe importante: tudo isso no meio da confusão no Ministério do Esporte, pois, simultaneamente, eu participava da cobertura do escândalo das ONGs ligadas ao PCdoB.

No fim, conseguimos confirmar 11 estados com milícias, sem contar o Rio de Janeiro. Ótimo. Tínhamos a tão sonhada matéria. Bastava escrever. Ela seria publicada nas páginas 3 e 4 do Globo do último domingo. Para quem não sabe, a página 3 é o espaço mais nobre dos jornais cariocas (em São Paulo, por exemplo, é a 4 porque as páginas 2 e 3 ficam os editoriais e os artigos).

Ei, parem as máquinas já!!!! Lula está com câncer!!!!! Era a principal notícia do sábado e merecia ter grande destaque. Na primeira edição do Globo de domingo, a reportagem das milícias permaneceu nas páginas 3 e 4. Parte dos exemplares do jornal, no entanto, teve as impressões interrompidas no parque gráfico. O assunto da doença do ex-presidente, na primeira edição, entrou na página 17 (se não me falha a memória). Mas, na segunda edição, o câncer de Lula foi para ás páginas 3 e 4. E as milícias foram para a 17. Ok, faz parte do jogo.

Publicada a matéria, era chegada a hora do caso Marcelo Freixo. Domingo. Eu estava de plantão. Comecei a escrever o drama do deputado. Reuni toda a documentação e iniciei o trabalho. Havia documentos das ameaças. A viagem de Freixo estava confirmada. Ele ia sair do Brasil por causa dos milicianos. O parlamentar foi presidente de uma CPI e denunciou os milicianos. Isso é ou não notícia? Publicamos.

Clique aqui e leia a reportagem sobre as milícias no Brasil.

Clique aqui e leia a reportagem sobre a saída do deputado Marcelo Freixo do país.

Valeu a paciência. Até ó próximo texto.
Abraços