domingo, 1 de novembro de 2009

A ilha não se curva às águas turvas desse mar

O sábado seria perfeito se o destino não me pregasse uma peça: encontrar pela frente dois policiais corruptos. É sério. Pela primeira vez, já com cabelos brancos e meus vividos 30 mil anos, eu fui a vítima. Fui escolhido pelo destino para presenciar a realidade, ao vivo e a cores. Desta vez, eu não estava em cena para obter informações e, em seguida, contar a história. Ao contrário. Parecia uma noite interminável numa cela escura. Aqueles senhores, censores, sem poder de censura, mas armados, fardados e determinados a ganhar dinheiro.

Antes de explicar, um parênteses. Eu deveria ser preso, confesso. É, isso mesmo. Estava preparado. Já imaginava ir para a delegacia. Fui pego numa blitz. Tinha bebido cerveja com os amigos. Fui ver o jogo do Flamengo no Maracanã. Não estava bêbado, mas ciente de que não poderia dirigir. Eu errei. É crime. Sempre condenei. Sempre quis dar o exemplo. Eu sei. Errei e ponto. Nada iria mudar. E, para piorar, vi que a vistoria do meu carro estava atrasada. Mais um motivo. Deveria ser preso, ter o carro e a carteira de habilitação apreendidos, e pagar multa. Ou seja: o sábado perfeito terminaria de vez. E terminou. Só que não da maneira que eu imaginava.

A tortura psicológica daqueles dois imbecis de farda e armados com fuzis, no entanto, só estava começando. Eu, sozinho, ao lado Túnel Santa Bárbara. Havia acabado de pegar o carro no prédio de um amigo para voltar para casa. Fui ao Maracanã de táxi. Não queria dirigir no engarrafamento. Oitenta mil pessoas presenciaram o goleiro Bruno defender dois penaltis. Previ que o entorno do estádio estaria um caos. Quis fugir disso. Peguei um táxi, vi o jogo e voltei. Até que os dois corruptos mandaram eu parar. Obedeci. Parei.

- Boa noite. O senhor pode sair do carro? - disse o policial militar.

- Ok, tudo bem - respondi, desligando o motor e, em seguida, abrindo a porta.

- Abre a mala - ordenou o mesmo policial, sem nada encontrar nada além de jornais velhos, um estepe e o livro sobre a vida de uma atriz pornô americana.

Na verdade, sem me dá conta, era eu quem estava prestes ser penetrado pela vergonha e tortura verbal impostas pela polícia do Rio de Janeiro.

- Documentação - pediu o outro policial, enquanto o outro PM vasculhava meu carro.

Entreguei o documento. Vistoria atrasada. IPVA pago. Habilitação ok. Mesmo assim, eu havia bebido e, a vistoria, estava atrasa. Não tinha jeito. O sábado terminou ali. Voltaria para Nova Iguaçu de ônibus. Só que...

- O senhor está errado. Terá o carro apreendido. Será multado. Como o senhor que eu resolva isso? - perguntou um dos policiais.

- Como assim resolver? - perguntei.

- A gente pode conversar melhor - retruncou ele.

- Como assim conversar? - perguntei novamente.

- Sabe como é, né? O senhor terá muita dor de cabeça. Gastará muito dinheiro, terá de ir para a delegacia e ficará um tempo sem carro. Não tem outro jeito. O que você pode fazer pela gente? - perguntou o outro policial.

- Senhores, admiro o trabalho de vocês. Converso com seus colegas quando estou trabalhando. Sei da situação crítica, sem estrutura, da polícia do Rio de Janeiro. Mas, sinceramente, não sei o que dizer. Nunca passei por isso - desabafei.

- O que o senhor faz? - quis saber os dois imbecis.

- Sou jornalista - respondi.

- Onde trabalha? - perguntaram.

- Jornal O Globo - respondi novamente, desta vez, com medo.

- Hum... Vou fazer contato com o nosso major pelo rádio. Acho que podemos te liberar se o senhor nos der a metade do dinheiro que o senhor gastará com a multa - propôs um dos PMs.

- Não tenho dinheiro. Sou contra tudo isso. Quero apenas voltar para casa - disse a eles.

Os dois PMs foram para um canto e começaram a conversar em voz baixa. Ficaram lá por um tempo, como se estivessem dando um tempo para eu pensar no assunto. Eles voltaram uns 30 minutos depois.

- Tudo bem. Vamos conversar. Cem reais e está tudo certo - pediu um deles.

- Já disse, amigos. Não tenho dinheiro. Por favor, só quero voltar para casa - insisti.

- Tem um banco aqui perto. Vai lá - exigiram os corruptos.

- Já passam das 22h. O caixa eletrônico do banco está fechado. Não tenho dinheiro aqui e não quero compartilhar com isso - disse, tranquilo e com educação.

Os dois me deixaram sozinho de novo. Quando retornaram, pareciam estar desesperados...

- Tá bom, quanto você tem no bolso? - perguntaram os PMs, com a esperança de conseguir algumas moedas.

- Bom, só dois reais. Senhores, nem o meu Riocard está aqui comigo. Estou fodido e mal pago. As pessoas podem viver sem ler jornal, sabia? Jornal não é tão fundamental pra elas. Jornal não serve para nada. Consequentemente, jornalistas, talvez, estejam sofrendo tanto quanto, ou pior, do que a PM do Rio de Janeiro - respondi, tentando convencê-los a desistirem de mim.

Neste momento, temi que eles me levassem para o caixa eletrônico e me roubassem todo o dinheiro que eu guardo na conta graças às árduas horas de trabalho sofrido de um simples repórter.

- Tá bom. Pode ir embora - sentenciou um dos PMs.

- Mas estou completamente irregular e vocês me mandam ir embora? Tudo bem, se é assim. Forte abraço. Deus proteja vocês - disse, despedindo-me logo em seguida.

Moral da história: torço, do fundo do coração, para que a Polícia Militar do Rio de Janeiro seja honesta em sua maioria. Quero acreditar que a polícia esteja ao lado do cidadão de bem...

Como dizia John Lennon: "Você pode dizer que sou um sonhador. Mas eu não sou o único. Eu espero que algum dia você junte-se a nós. E o mundo viverá como um só"

abs

2 comentários:

  1. Belíssimo texto. Porém, ao contrário de você, sou mais intolerante: desejo que a PM seja extinta na face da terra. Chega de abusos de poder e de enlaçar a população nas causas próprias deles. A cada dia mais é uma vergonha ter uma polícia como este em nossa cidade.

    Adorei o blog. Com certeza além de add ele, farei visitas mais recentes à ele.

    Beijos

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  2. Obrigado, Fê...

    seja mais tolerante... o mundo precisa...

    Aos poucos o blog tá entrando na linha... rsrs as pessoas estão descobrindo devagar... isso que é o mais legal de tudo...

    fique à vontade!

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